Autora: Rebecca Clifford
Título: Sobreviventes. A vida das crianças após o Holocausto.
Local de publicação: Lisboa
Editora: Edições 70
Ano de publicação: 2021
Tradução: Ana David
Número de páginas: 400
Edição original, em inglês: Survivors. Children’s Lives After the Holocaust. New Haven and London: Yale University Press, 2020.
Palavras-chave: crianças no Holocausto; crianças sobreviventes; infância; vida após o Holocausto; resistência; fuga; memória; pós-memória; identidade; trauma
Índice
Introdução
1. Começa Outra Guerra
2. O Olhar dos Adultos
3. Reivindicar as Crianças
4. Reuniões de Família
5. As Crianças do Château
6. Metamorfose
7. Trauma
8. Os Sortudos
9. Tornarem-se Sobreviventes
10. Histórias
11. Silêncios
Conclusão: As Últimas Testemunhas
Sinopse
Estudo académico sobre crianças nascidas entre 1935 e 1944, que tinham 10 anos ou menos no momento da libertação, e que sobreviveram ao Holocausto. Escrito pela Professora Associada de História Europeia da Universidade de Swansea, a partir de pesquisa de arquivo e de numerosas entrevistas, este livro foi galardoado com o Canadian Jewish Literary Award for Scholarship em 2021 e foi nomeado para uma série de outros prémios, como o Cundill Prize, the Wingate Prize, the Wolfson History Prize, e o Baillie Gifford Prize for Non-Fiction.
No conceito de sobreviventes, a autora inclui as crianças que foram prisioneiras nos campos e aquelas que sofreram a experiência da perseguição, mas conseguiram fugir e resistir das mais diversas formas, nomeadamente através da entrega a famílias de acolhimento ou organizações de ajuda. Estas crianças têm sido deixadas à margem quer na pesquisa histórica sobre o Holocausto, quer na literatura de testemunho, vinculada a uma ideia restrita de sobrevivência definida pela passagem pelos campos. A pesquisa é fortemente documentada e muito adequadamente contextualizada não somente nos acontecimentos históricos da época, mas também articulada com os conceitos e as dinâmicas de ordem social e política mundial que tiveram consequências sobre o futuro das crianças sobreviventes no imediato pós-guerra e nas décadas seguintes. Assim, noções como a própria infância, a identidade, a família, a memória, o trauma, são perspetivadas a partir de histórias individuais detalhadamente investigadas. Estas histórias, extremamente interessantes e inesperadas em si mesmas, revelam ainda como os percursos das crianças sobreviventes foram atravessados por processos e conflitos políticos, pelos interesses de organizações internacionais humanitárias, religiosas, nacionalistas ou de outro cariz, pelas conceções da infância, do bem-estar infantil, da saúde mental, e da educação vigentes em cada momento e evoluindo diferentemente em cada contexto e conforme os agentes, e pelo lugar social das famílias estilhaçadas e dispersas pelo mundo (quando existiam), que se sobrepuseram ao interesse das crianças já vitimizadas. O enquadramento histórico mostra como o “ser criança”, o “ser indivíduo”, a “família”, longe de serem conceitos fixos, a-históricos, são construções sociais, as quais surgem muito evidentemente enquanto tal num momento de fortíssima disrupção como foram a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto e o Pós-Guerra. Da mesma maneira se mostra como o papel das crianças e da sua etnicidade (biologizada numa ideia de sangue) e a ideia da família (também construída consoante o quadro político) são determinantes na imaginação das nações e na rivalidade entre estas, que se verteu em fortes tensões sobre o futuro das crianças sobreviventes. Ao mesmo tempo, o estudo permite acompanhar a história das crianças e perceber como dados geralmente tidos como adquiridos num percurso de vida “normal” foram dramas imensos para quem teve a sua história interrompida, algumas vezes nos primeiros meses ou anos de vida. Assim, estas crianças enfrentaram como interrogações dramáticas tudo aquilo que confere alguma solidez à existência e à identidade, desde o nome próprio à pergunta fundamental “quem sou?”, passando pela identificação da origem, das pertenças familiares, comunitárias, religiosas e outras, a memória fragmentada ou marcada por fraturas sucessivas e, obviamente, por enormes traumas relativos a violência física e psicológica. Porém, como a autora verifica, as crianças foram capazes de escolhas e de resistir através de estratégias várias aos destinos que lhe iam sendo impostos, demonstrando um estatuto de sujeito dotado de consciência e vontade, que geralmente não se atribui à infância. Trata-se, no fundo, de viver um presente e imaginar o futuro sem o chão da memória e nas reviravoltas violentíssimas de um mundo em turbilhão, que a historiadora sabe analisar, documentar, e descrever de uma forma simultaneamente profunda e documentada e de cativante leitura.
Excerto
“Este livro procura revelar a vida pós-guerra dos mais jovens sobreviventes do Holocausto, um grupo que tem sido historicamente negligenciado pelos especialistas. Foca-se naqueles nascidos entre 1935-1944, que tinham 10 anos ou menos no momento da libertação, em 1945. Estas crianças pequenas tinham a menor hipótese de sobrevivência de entre qualquer faixa etária durante o Holocausto (exceto os muito idosos), mas não é isso, ou não é só isso, que torna as suas histórias tão fascinantes. As experiências das crianças pequenas lançam luz sobre uma questão de profundas repercussões: como podemos dar sentido às nossas vidas se não sabemos de onde viemos? Como as suas memórias pré-guerra eram indistintas ou mesmo inexistentes, e como muitas vezes não existia nenhum adulto vivo capaz ou disposto a preencher os pormenores-chave dos seus primeiros dias e anos, estas crianças sobreviventes enfrentaram muitas vezes uma luta de décadas para reunir a narração das suas origens – um ato simples, mas essencial, de autobiografia, fundamental para a identidade. Se não consegue contar a história da sua própria família, da sua cidade natal, ou das suas experiências formativas, como pode dar sentido à sua infância e aos seus impactos? Que esforço precisa fazer para explicar quem é? A maioria de nós dá como garantido que podemos dar pelo menos algum sentido às nossas memórias de infância. Não costumamos parar para pensar nisso como se fosse um privilégio. Na sua essência, este livro explora o que significa crescer e envelhecer quando não se tem essa vantagem e se é forçado pelas circunstâncias a tecer a história do seu passado a partir de fragmentos. É um livro sobre o Holocausto, mas essencialmente é um livro sobre a história de como se viveu depois e de como se conviveu com uma infância marcada pelo caos. (…) Este livro acompanha um grupo de crianças muito jovens sobreviventes do Holocausto, saídas da ruína da guerra e passando pelas suas infâncias posteriores, as suas adolescências, as suas jornadas para a idade adulta, os seus casamentos e as suas próprias experiências de paternidade, e, finalmente, na sua velhice, traçando a sua mudança de relação com o passado ao longo de um período de setenta anos. Analisa o modo como elas interagiram com os adultos, os pais sobreviventes e familiares, pais anfitriões e de acolhimento, trabalhadores de ajuda humanitária, profissionais de saúde mental e outros que tentaram esculpir os parâmetros das suas vidas, que as observaram, cuidaram delas e as alimentaram – e igualmente, às vezes, que as negligenciaram, lhes mentiram e as abandonaram. Esta obra explora as consequências a curto e longo prazo das suas experiências de infância nas suas identidades e tem como objetivo desafiar algumas das nossas suposições fundamentais sobre as crianças como sujeitos, sobre a natureza do trauma e sobre a relação entre o eu e a memória.”
(pp. 23-26)
Outras obras de Rebecca Clifford
Commemorating the Holocaust: The Dilemmas of Remembrance in France and Italy. Oxford University Press, 2013
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