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Autor: Shlomo Venezia (em colaboração com Béatrice Prasquier)
Título: Sonderkommando
Local de publicação: Lisboa
Editora: A Esfera dos Livros
Ano de publicação: 2008
Tradução: Verónica Fitas
Número de páginas: 205
Edição original, em francês: Sonderkommando – Dans l’enfer des chambres à gaz. Paris: Albin Michel, 2007.
Palavras-chave: Sonderkommando, Auschwitz, câmaras de gás, crematórios, judeus gregos, testemunho


Índice

Prefácio de Simone Veil

Advertência por Béatrice Prasquier
I. A vida na Grécia antes da deportação
II. O primeiro mês em Auschwitz-Birkenau
III. Sonderkommando
IV. Sonderkommando (continuação)
V. A revolta do Sonderkommando e o desmantelamento dos Crematórios
VI. Mauthausen, Melk e Ebensee

Agradecimentos
Notas históricas
A Shoah, Auschwitz e o Sonderkommando, por Marcello Pezzetti
A Itália na Grécia: pequena história de um grande desaires, por Umberto Gentiloni
Sobre David Olère
Notas
Bibliografia indicativa


Sinopse

Sonderkommando é o testemunho autobiográfico de Shlomo Venezia, judeu italiano nascido em Salónica, na Grécia, sobre a sua vida desde o período que antecedeu a deportação para Auschwitz até à sua salvação. Estrutura-se sob a forma de uma longa entrevista dirigida pela jornalista Béatrice Prasquier e destaca-se pelo registo factual e detalhado, bem como pela sobriedade e precisão. O relato permite conhecer a fundo uma das funções mais sinistras desempenhadas pelos prisioneiros judeus em Auschwitz, no quadro do chamado “Sonderkommando” (comando especial): a função de conduzir os presos condenados para a morte nas câmaras de gás e de recolher os respetivos cadáveres, como parte de uma máquina inexorável de extermínio. Para além disso, o facto de Venezia ter, ainda, atravessado outro tipo de vivências nos campos permite-lhe fornecer um testemunho extremamente amplo e minucioso do respetivo funcionamento, da sua organização, da sua geografia interna, bem como das experiências dos prisioneiros. Impressiona, sobretudo, o registo da crueldade que rodeava o processo de gaseamento em massa, bem como de destruição dos cadáveres, e a precisão mecânica deste processo, no qual os presos do “Sonderkommando” eram uma peça indispensável. Situados na zona cinzenta entre vítima e perpetrador, desfrutando de alguns privilégios, os membros do “Sonderkommando”, porém, tinham de desenvolver uma carapaça desumana enquanto parte ativa do tratamento das vítimas como mera matéria a destruir. A sobriedade do relato faz com que ele constitua um forte documento informativo, extremamente duro, o qual é complementado por dois artigos históricos, da autoria de professores universitários: o primeiro, sobre o sistema concentracionário nazi e a máquina de extermínio, o qual constitui uma excelente síntese sobre o tema, que deriva na explicação do papel dos “Sonderkommando”; o segundo sobre a Grécia na época do nacional-socialismo e da Segunda Guerra Mundial. O livro inclui ainda uma série importante de notas e bibliografia útil, bem como ilustrações do pintor judeu francês David Olère, também ele sobrevivente do comando especial, bem como plantas e fotografias, as quais permitem ter uma ideia visual das descrições pormenorizadas de Venezia.


Excerto

O que viu da câmara de gás quando chegaram?

     Não me encontrava entre aqueles que tinham de tirar os cadáveres da câmara de gás, mas mais tarde fi-lo muitas vezes. Os que estavam nomeados para essa tarefa começaram por puxar os cadáveres pelas mãos, mas em poucos minutos as suas mãos ficaram sujas e escorregadias. Para evitarem tocar no corpo directamente, pensaram em utilizar um bocado de tecido, mas, claro, também o tecido ficou sujo e molhado ao fim de alguns instantes. Foi preciso então que arranjassem uma solução. Alguns tentaram arrastar os corpos utilizando para isso um cinto, mas na realidade isso tornava a tarefa ainda mais cansativa, visto que era necessário apertar e desapertar o cinto. Finalmente, o mais simples mostrou-se ser utilizar uma bengala para puxar os corpos pela nuca. Vemos isso muito bem num dos desenhos de David Olère. Não nos faltavam bengalas, dada a quantidade de pessoas idosas que eram enviadas para a morte. Ao menos, isso evitava ter de puxar os cadáveres pelas mãos. E isso para nós era deveras importante. Não tanto porque se tratava de cadáveres, isso também… mas porque a sua morte era tudo menos uma morte pacífica. Era uma morte imunda, suja. Uma morte forçada, difícil e diferente para todos.
     Até à data nunca o tinha contado, é de tal modo violento e triste que tenho dificuldade em falar destas visões da câmara de gás. Podíamos encontrar pessoas com olhos saídos das órbitas devido ao esforço feito pelo organismo. Outras com sangue por todo o lado ou sujas pelos próprios excrementos ou então pelos dos outros. Sob o efeito do medo e do gás no organismo, as vítimas evacuavam muitas vezes tudo o que tinham no corpo. Alguns corpos estavam completamente vermelhos, outros muito pálidos, todos reagiam de forma diferente. Mas todos tinham sofrido no momento da morte. Pensamos frequentemente que o gás era lançado, e pronto, as pessoas morriam. Mas que morte!... Encontrávamo-las agarradas umas às outras, todas tinham procurado desesperadamente um pouco de ar. O gás lançado ao chão libertava ácido por baixo, portanto, toda a gente queria encontrar ar, mesmo que para isso fosse necessário subir uns para cima dos outros até que o último morresse. Na minha opinião, não posso garantir, mas penso que muitas pessoas morriam mesmo antes de o gás ser lançado. Estavam de tal modo apertadas umas contra as outras, que os mais pequenos, os mais débeis, inevitavelmente sufocavam. A dada altura, debaixo daquela pressão, daquela angústia, tornamo-nos egoístas e não procuramos senão uma coisa: salvarmo-nos. Era este o efeito do gás. A imagem que víamos ao abrir a porta era atroz, não dá para imaginar o que aquilo era.”
(pp. 72-73)


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Não aplicável.