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Imagens Apesar de Tudo

Autor: Georges Didi-Huberman
Título: Imagens Apesar de Tudo
Local de publicação: Lisboa
Editora: KKYM
Ano de publicação: 2012
Tradução: Vanessa Brito e João Pedro Cachopo
Número de páginas: 252
Edição original, em francês: Images malgré tout. Paris: Éditions de Minuit, 2009.
Palavras-chave: Holocausto, fotografia, representação, arquivo, Sonderkommando, Auschwitz


Índice

I. Imagens apesar de tudo
       Quatro pedaços de película arrancados ao inferno
       Contra todo e qualquer inimaginável
       No próprio olho da história
       Semelhante, dissemelhante, sobrevivente

II. Apesar da imagem toda
       Imagem-facto ou imagem fetiche
       Imagem-arquivo ou imagem aparência
       Imagem-montagem ou imagem-mentira
       Imagem parecida ou imagem que quer parecer

Nota bibliográfica
Bibliografia


Sinopse

Imagens apesar de tudo – uma das obras mais influentes do filósofo, historiador e crítico de arte francês George Didi-Huberman – reúne o ensaio do autor para o catálogo da exposição Mémoire des camps. Photographies des camps de concentration et d’extermination nazis (1933-1944) (2001) e, na segunda parte, uma reflexão desencadeada pelos debates que marcaram a receção do ensaio, acusado, entre outros, de voyeurismo e de esteticizar o irrepresentável.

O ponto de partida do ensaio são quatro fotografias tiradas clandestinamente por um Sonderkommando em agosto de 1944 a partir do interior de uma câmara de gás. Duas dessas fotos mostram a cremação de corpos gaseados nas fossas de incineração ao ar livre diante da câmara de gás do crematório V de Auschwitz. Nas outras duas fotos, veem-se mulheres a ser conduzidas para a câmara de gás. A partir destas fotografias, o autor desenvolve uma reflexão sobre a relação entre a imagem, o inimaginável e o irrepresentável. Começa por (re)construir o contexto de captação dessas fotografias, uma ação coletiva desencadeada pelos esforços das Resistência Polaca, que passou por introduzir uma máquina fotográfica em Auschwitz até a fazer chegar às mãos do fotógrafo, provavelmente um judeu grego de nome Alex, e que, depois da captação das imagens, contou com uma série de ações até ser entregue à Resistência Polaca de Cracóvia no dia 4 de setembro de 1944.

Didi-Huberman argumenta que a fotografia não passa de um vestígio do passado, um fragmento da realidade, que por si só pouco ou nada diz, sendo necessário todo um trabalho de pesquisa, de interpretação e imaginação na construção de uma narrativa significadora. A narrativa construída pelo autor vai do contexto histórico alargado da Shoah à situação precisa do prisioneiro que teria tirado as fotos. A partir das imagens enquanto indício, o autor reconstrói a história macro e a história micro, o evento coletivo a par do destino individual, vislumbrando (imaginando) as suas tensões, os seus dilemas e os esforços de resistência.

A reflexão a partir das fotos enquanto meio para conseguir “instantes de verdade” oferece um importante contributo para o debate sobre a (ir)representabilidade de Auschwitz, nomeadamente sobre os limites e potencialidades da imagem, do testemunho, do arquivo e da montagem na criação de conhecimento pelo historiador numa época de saturação de imagens. Nesse sentido, trata-se de uma obra extremamente importante não apenas nos estudos sobre o Holocausto, mas também para a teoria da fotografia.

Atendendo ao papel dos Sonderkommando na captação das fotografias, o ensaio oferece também uma reflexão sobre as (im)possibilidade(s) de resistência no contexto do extermínio nacional-socialista, contribuindo para um conhecimento mais matizado daquelas unidades formadas por prisioneiros que, sob coação e/ou a troco de alguns benefícios (algum tempo de vida antes de serem enviados para as  câmaras e substituídos por prisioneiros recém-chegados), se ocupavam de tarefas nas câmara de gás como a remoção dos cadáveres e a limpeza. Neste sentido, atividades pedagógicas em torno do filme O filho de Saul (László Nemes, 2015) sairão enriquecidas pela exploração do diálogo que o filme enceta com Imagens apesar de tudo, bem como pela atenção à entusiasta carta aberta Sortir du Noir (2015) que Didi-Huberman dirigiu ao realizador na altura.


Excerto

"Para saber é preciso imaginar-se. Devemos tentar imaginar o que foi o inferno de Auschwitz no Verão de 1944. Não invoquemos o inimaginável. Não nos protejamos dizendo que de qualquer forma não o podemos imaginar – o que é verdade –, já que não poderemos imaginá-lo inteiramente. Mas devemos imaginá-lo, esse inimaginável tão pesado. Como  uma resposta que se oferece, como uma dívida contraída para com as palavras e as imagens que alguns deportados arrancaram, para nós, ao pavoroso real da sua experiência. Não invoquemos, portanto, o inimaginável. Era tão mais difícil, para os prisioneiros, arrancar aos campos de concentração estes escassos pedaços de que somos agora depositários, com o peso de os sustermos apenas com um olhar. Estes pedaços são-nos mais preciosos e menos apaziguadores do que todas as obras de arte possíveis, pois foram arrancados a um mundo que os tinha por impossíveis. Imagens apesar de tudo, portanto: apesar do inferno de Auschwitz, apesar dos riscos corridos. Em retribuição, devemos comtemplá-las, assumi-las, tentar dar conta delas. Imagens apesar de tudo: apesar da nossa própria incapacidade de sabermos olhar para elas como elas mereceriam, apesar do nosso próprio mundo repleto, quase sufocado, de mercadoria imaginada."
(p. 15)

"As quatro fotografias arrancadas a Auschwitz pelos membros do Sonderkommando foram, portanto, também quatro refutações arrancadas a um mundo que os nazis queriam ofuscar: ou seja, deixar sem palavras nem imagens. Todas as análises do universo concentracionário convergem, desde há muito, neste facto: os campos foram os laboratórios, as máquinas experimentais de um desaparecimento generalizado. Desaparecimento da psique e desintegração do vínculo social [...]"
(p. 34)

"Arrancar quatro imagens ao inferno do presente significava finalmente, nesse dia de Agosto de 1944, arrancar à destruição quatro resquícios de sobrevivência. De sobrevivência, digo eu, embora não de uma sobrevivência bem-sucedida. Pois ninguém, defronte ou detrás daquela máquina fotográfica – salvo talvez David Szmulewski e o SS – sobreviveu ao que as imagens testemunham. São, portanto, elas, as imagens, o que nos resta: são elas as sobreviventes. Mas que de tempo nos chegam elas? Do tempo de um clarão: elas captaram alguns instantes, alguns gestos humanos"
(p. 67)


Outras obras de Georges Didi-Huberman

• Edições em português

     O que nós vemos, o que nos olha. Trad. Golgona Anghel e João Pedro Cachopo. Porto: Dafne Editora, 2011 [ed. original, Ce que nous voyons, ce qui nous regarde, 1992].
     Diante do tempo : história da arte e anacronismo das imagens. Trad. Luís Lima. Lisboa: Orfeu Negro, 2017 [ed. original, Devant le temps : histoire de l'art et anachronisme des images, 2000].
 

• Outras publicações

     Ce que nous voyons, ce qui nous regarde. Paris : Minuit, 1992.
     Devant le temps : histoire de l'art et anachronisme des images. Paris : Minuit, 2000
     Sortir du noir. Paris: Minuit, 2015.
     Eparses. Voyage dans les papiers du ghetto de Varsovie. Paris : Minuit, 2020.
     Le Témoin jusqu'au bout. Une lecture de Victor Klemperer. Paris : Minuit, 2022.


Mais informações sobre Georges Didi-Huberman aqui e aqui.