Autora: Pascale R. Bos
Título: German-Jewish Literature in the Wake of the Holocaust. Grete Weil, Ruth Klüger and the Politics of Address [Literatura Judaico-Alemã Depois do Holocausto. Grete Weil, Ruth Klüger e a Política da Interlocução]
Local de publicação: Nova Iorque
Editora: Palgrave
Ano de publicação: 2005
Número de páginas: 143
Palavras-chave: Holocausto, mulheres, gender, literatura judaico-alemã, memória
Índice
Agradecimentos
Prefácio
1. Introdução
Literatura judaico-alemã como interlocução e “retorno”
Interlocução pública/ Encerramento pessoal
Leitura contra a controversa simbiose judaico-alemã
Analisando a experiência feminina
Interseções teóricas
Teorizando a representação do Holocausto
Intervenções literárias
2. O retorno judaico à Alemanha
Danach bin ich wieder Mensch: O retorno de Weil do exílio
Informationsverweigerung
Memórias concorrentes
A busca (fútil) por empenhamento
“Sintomas de amnésia alemã”
3. Intervenções míticas
“Filhos de Hitler”: o legado do silêncio na Alemanha dos anos1970s
Antígona: mítica combatente da resistência ou terrorista?
Táticas de evasão
Criando pontes entre as gerações
Marés culturais mudadas
Imaginando Michal
Reconciliando a identidade judaica: Bin ich Jüdischer geworden?
Final
4. Criando interlocução
Ruth Klüger “retorna” à Alemanha
Memórias não convencionais
Uma história (alemã) de sucesso?
Intervenções discursivas
Diálogo relutante
Viena impossível
Discurso reificante
5. Intervenções tardias
Legado impossível, diálogo impossível
Avaliando a mudança
Literatura menor
As sobreviventes falam
Notas
Obras citadas
Índex
Sinopse
German Literature in the Wake of the Holocaust é, antes de tudo, uma análise de textos literários de duas autoras de língua alemã sobreviventes do Holocausto, a judia alemã Grete Weil (1906-1999) e a judia austríaca Ruth Klüger (1931-2020), que tiveram grande êxito na República Federal da Alemanha nas décadas de 1980 e 1990. Weil sobreviveu à guerra no exílio e, em 1947, regressou ao que seria a República Federal da Alemanha. Klüger, deportada aos 10 anos com a mãe para Theresienstadt e, depois, para Auschwitz, foi para a Alemanha no final da guerra, mas, em 1947, emigrou para os EUA. Manteve, todavia, uma forte ligação à cultura e língua alemãs através dos Estudos de Literatura Alemã e da sua própria produção literária. Tendo como corpus de análise vários textos de Weil (Ans Ende der Welt [Até ao fim do mundo], de 1949, Tramhalte Beethovenstraat [Paragem da Beethovenstraat] , de 1963, Happy, sagte der Onkel [Happy, disse o tio], de 1968, Generationen [Gerações], 1983, Der Brautpreis [O dote], de 1988, Meine Schwester Antigone [A minha irmã Antígona], de 1988) e a autobiografia de Klüger weiter leben. Eine Jugend [Continuar a viver. Uma juventude] (1992), e a partir de um quadro teórico-concetual dos Estudos de Memória, do Trauma e de Género, Bos oferece um contributo importante para a História Cultural da Alemanha e os Estudos da Literatura Alemã e do Holocausto, que permite auscultar a evolução e as mudanças nas memórias e na memorialização do Holocausto na Alemanha Ocidental.
Pascale R. Bos, filha e neta de duas sobreviventes holandesas, com vários familiares assassinados nos campos, reflete, no prefácio, sobre as implicações da sua posicionalidade na articulação de problemáticas como a (re)construção das identidades e comunidades judaicas na Europa após o Holocausto. Afastando-se de abordagens que tendem a ver as décadas anteriores à Segunda Guerra como inevitavelmente conducentes ao genocídio, Bos investiga a chamada “simbiose alemã-judaica” a partir de uma visão do Holocausto como um caminho possível entre outros num contexto de aculturação e integração dos judeus das classes média e alta nas sociedades alemã e austríaca. A análise dos textos de Weil e Klüger nas suas várias etapas – produção, publicação e receção – pretende perceber como a relação entre alemães e judeus mudou em consequência do Holocausto e em que medida as vozes judaicas sobreviventes fizeram parte ou não do chamado confronto com o nazismo e foram ou não lidas como vozes alemãs.
A questão da identidade judaica no contexto alemão é, assim, basilar no estudo. Bos analisa os textos de Weil e Klüger como atos de interlocução dirigidos a uma audiência de compatriotas e, simultaneamente, de perseguidores e carrascos das escritoras enquanto judias. O ato de regresso à Alemanha, quer físico quer através da escrita, é analisado como convite ao diálogo, através do qual as escritoras pretendem, por um lado, confrontar os/as leitores/as com o passado e, por outro, redefinir a identidade judaica enquanto parte da cultura que a tinha perseguido e extirpado. Valorizando os textos de Weil e Klüger pela sua dimensão autorreflexiva que lhes permite ultrapassar o caráter meramente testemunhal, Bos lê assim a obra das autoras como escrita que trouxe os danos e dilemas emocionais e psicológicos privados da perseguição e do extermínio para a esfera pública e o debate sociopolítico.
Excerto
Enquanto a Shoah é comumente entendida como tendo levado à destruição física da comunidade judaica europeia, apenas nas últimas décadas se reconheceu explicitamente como esses eventos também provocaram uma mudança traumática na identidade dos/as judeus/ias sobreviventes da Europa Ocidental, especialmente os/as judeus/ias assimilados/as de classe média da Europa Ocidental e Central que tiveram que confrontar e redefinir o seu sentido de pertença à Europa depois de 1945, como judeus/ias e como cidadãos/ãs de uma determinada nacionalidade.
Essa mudança de identidade e o consequente processo de reconciliação foram tormentosos e complicados em países como Áustria e Alemanha onde, por um lado, o judaísmo tinha sido definido como traço racialmente inferior e, por outro, a identidade nacional excluíra explicitamente o judaísmo. Consequentemente, a maioria dos/as judeus/ias austríacos/as e alemães/ãs, nas primeiras décadas após 1945, escolheu viver como judeus/ias, mas já não na Alemanha ou Áustria, ou como alemães/ãs, mas já não como judeus/ias na Alemanha Ocidental ou Oriental. Os anos de 1933-1945 puseram, assim, fim àquilo a que se chamou simbiose alemã-judaica na cultura e na identidade. Para uma pequena minoria de judeus/ias austríacos/as e alemães/ãs, a questão da identidade permanecia por resolver e no centro das suas vidas diárias, todavia, e foi trabalhada através de um confronto renovado com a Alemanha e as coisas alemãs. Permaneceram ou retornaram à Alemanha, de facto ou nos seus textos.
Este estudo seguiu as obras e as carreiras de uma judia-alemã e de uma judia-austríaca sobreviventes que retornaram à Alemanha após a guerra através da língua e da literatura alemãs, ou seja, reinserindo-se através das suas publicações na cultura que as expulsara. Como textos fortemente autobiográficos, estas obras circunscrevem e reinventam o que significa ser alemão/ã e judeu/ia após a Shoah. Isto implica um processo complexo de renegociação com ambas as realidades e identidades e os diferentes discursos políticos e culturais que afirmam os limites da sua subjetividade e agência e ameaçam reificá-las. Como tal, esses textos representam um tipo particular de discurso subjetivo que pode ser descrito como potencialmente emancipatório. É o ato de se dirigir a uma audiência alemã que, além disso, amplia um tal projeto: de projeto com implicações puramente privadas (terapêuticas) passa a projeto com significado e impacto culturais mais amplos.
(pp. 89-90)
Outras obras de Pascale R. Bos
"Positionality and Postmemory in Scholarship the Holocaust". Women in German Yearbook, 19, 2003, 50-74.
"Reconsidering Anne Frank: Teaching the Diary in its Historical and Cultural Context". In: Teaching the Representation of the Holocaust. MLA Options for Teaching series. Eds. Marianne Hirsch and Irene Kacandes. New York: The Modern Language Association, 2004, 348-359.
"Adopted Memory: The Holocaust, Postmemory, and Jewish Identity in America". Thamyris /Intersecting: Place, Sex and Race 13, 2006, 97-108. (Special Issue “Diaspora and Memory: Figures of Displacement in Contemporary Literature, Arts and Politics”)
"Empathy, Sympathy, Simulation? Resisting a Holocaust Pedagogy of Identification". Review of Education, Pedagogy, and Cultural Studies, 36.5, 2014, 403-421.
"Sexual Violence in Ka-Tzetnik’s House of Dolls". In: Holocaust History and the Readings of Ka-Tzetnik. Ed. Annette F. Timm, with the assistance of David Tall. London: Bloomsbury Publishing, 2018.