Autor: Stefan Zweig
Título: Novela de Xadrez
Local de publicação: Porto
Editora: Livros do Brasil / Porto Editora
Data de publicação: 2017
Tradução: Álvaro Gonçalves (também prefácio e notas)
Número de páginas: 100
Edição original, em alemão: Schachnovelle. 1.ª edição, numa tradução para português do Brasil, Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1942; editado no mesmo ano em alemão, em Buenos Aires; 1.ª edição em alemão na Europa em 1943, Estocolmo: Editora Fischer.
Palavras-chave: exílio; tortura; prisão; isolamento; Gestapo, nazismo, psicologia
Índice
Prefácio
Cronologia Biográfica
NOVELA DE XADREZ
Sinopse
Narrativa curta do escritor judeu austríaco Stefan Zweig, escrita no exílio no Brasil, entre 1941 e 42, recomendada como leitura juvenil e escolar (o Plano Nacional de Leitura recomenda a respetiva adaptação para banda desenhada por David Sala, com o título “O jogador de xadrez”) devido à forma como descreve as consequências psíquicas de processos de tortura realizados pela Gestapo, bem como por funcionar como uma espécie de alegoria do nazismo. A bordo de um navio de Nova Iorque para Buenos Aires, um narrador homodiegético relata uma série de partidas de xadrez, entre o campeão mundial de xadrez, Mirko Czentovic, e um advogado austríaco, Dr. B. Czentovic é descrito como mentalmente limitado, sem capacidade para realizar as tarefas mentais mais básicas, como ler e escrever, porém com uma capacidade extraordinária para fixar e repetir mecanicamente jogadas de xadrez, o que lhe permite vencer os adversários sem dificuldade. Czentovic é um ser associal, incapaz de emoções e que joga apenas por interesse monetário, sem mostrar qualquer tipo de expressividade. A sua psicologia é associada pela crítica a determinados tipos de funcionários nazis, que executam a sua função de forma robótica, dadas as suas limitações mentais. O nazismo constituiria um sistema e um tipo de organização em que proliferariam este tipo de personalidades medíocres, porém capazes de adquirir sucesso no âmbito da repetição de gestos previamente aprendidos. Czentovic acede ao pedido de um milionário americano para jogar algumas partidas a bordo, mediante pagamento. Entre o conjunto de adversários constituído por alguns passageiros encontra-se, porém, Dr. B., que espantosamente consegue estar à altura do campeão mundial e levá-lo a um empate. Instado a novos jogos, Dr. B., porém, recusa, o que leva o narrador a indagar os motivos de tão intrigante atitude. Inicia-se, então, uma narrativa secundária, em que Dr. B. conta a sua própria história. Dr. B. não é o tipo habitual de prisioneiro do nazismo, que encontramos num campo de concentração. Trata-se de um burguês inteligente, culto, de trato superior, administrador de bens da aristocracia e do clero austríacos, preso pela Gestapo que deseja apropriar-se destes mesmos bens. Dr. B. é mantido em cativeiro e isolado num quarto de um hotel, onde é sujeito a tortura e, sobretudo, a uma monotonia e a um esvaziamento de espírito sob os quais se sente enlouquecer. De modo a evitar a perda da sanidade mental sob esta forma de tortura, em que nada alimenta o seu cérebro, Dr. B. consegue roubar um pequeno livro, que por acaso é um manual de xadrez. Começa, então, a repetir as partidas nele descritas e, quando esgota essa forma de ocupação mental, desenvolve a capacidade de jogar contra si mesmo, o que implica a divisão da sua mente em duas partes adversárias. Dr. B. chega ao ponto de conseguir efetuar partidas sucessivas puramente em abstrato, sem recurso a tabuleiro, em que move ora as peças brancas, ora as pretas. A forma crescentemente acelerada como atravessa uma espécie de dupla personalidade criada pelo jogo leva-o, finalmente, a um estado de loucura e a um colapso mental. Ironicamente, é este colapso que lhe permite ser hospitalizado e, assim, escapar à prisão da Gestapo e embarcar para o exílio. Porém, conforme conta ao narrador, estar perante um tabuleiro de xadrez e jogar acarreta o risco de sucumbir de novo a uma condição esquizofrénica. Não obstante, Dr. B. aceita jogar uma última partida contra Czentovic, onde revela a sua capacidade de antecipar as jogadas do adversário com enorme rapidez, derrotando o campeão mundial, que solicita, de imediato, uma revanche. Ao longo do segundo jogo, contudo, torna-se evidente a perturbação crescente de Dr. B., que se impacienta com a lentidão do adversário e, pouco depois, se encontra já a jogar partidas imaginárias na sua mente, as quais não correspondem de todo ao que se encontra no tabuleiro. Ao perceber que Dr. B caiu, de novo, num estado de loucura e alienação, o narrador interrompe a partida e consegue salvá-lo. Dr. B. jura, então, nunca mais jogar xadrez, para desilusão da plateia, que não compreende o gesto do jogador misterioso. Dr. B. funciona, assim, como uma representação ficcional dos efeitos psicológicos da tortura, os quais conseguem destruir uma mente culta e refinada, capaz dos mais complexos raciocínios, deixando rastos que podem significar um risco perpétuo de destruição, mesmo quando o corpo não é, aparentemente, afetado. O próprio autor, Stefan Zweig, revelava, no momento da escrita desta novela, fortes perturbações psicológicas enquanto exilado do nazismo, tendo-se suicidado pouco depois. Nesta medida, o tratamento psicológico da personagem Dr. B. é associado não somente à condição de prisão, isolamento e tortura, como ao próprio exílio, sendo a novela incluída na chamada “Literatura do Exílio”, que marca este período da História da Literatura de expressão alemã.
A novela é de fácil e agradável leitura e a edição portuguesa apresenta-se bem elaborada, com prefácio, cronologia biográfica e notas detalhadas, bem como uma tradução cuidada.
Excerto
“Tudo isso me parece um contrassenso e, na realidade, uma esquizofrenia artificial desse género, um desdobramento de personalidade desse género, com a sua mistura de perigosa excitação, seria num homem normal, numa situação normal, impensável. Mas não se esqueça de que eu fora arrancado violentamente de toda a normalidade, um prisioneiro, encarcerado sem culpa alguma, torturado requintadamente há meses por meio da solidão, alguém que queria descarregar a raiva acumulada sobre alguma coisa. E como não tinha nada mais do que este jogo absurdo contra mim próprio, a minha raiva, o meu desejo de vingança era canalizado fanaticamente para este jogo. Havia algo em mim que queria manter a razão, e eu tinha apenas esse outro eu em mim que podia combater; então crescia em mim uma espécie de excitação maníaca durante o jogo. No princípio pensara ainda de forma tranquila e ponderada, introduzira pausas entre uma e outra partida para poder recuperar do esforço efetuado, mas lentamente os meus nervos em franja já não me permitiam esperar. Mal o meu eu-brancas fazia uma jogada, o meu eu-pretas avançava febrilmente; mal terminava uma partida, estava eu já a desafiar-me para a seguinte, pois em todos os jogos havia um eu-xadrez vencido, que, por sua vez, exigia um jogo de desforra. Nunca poderei, nem aproximadamente, dizer o número de partidas que joguei contra mim próprio em consequência dessa insaciabilidade louca durante aqueles últimos meses na minha cela – talvez mil, talvez mais. (…) A alegria de jogar convertera-se em ânsia de jogar, a ânsia de jogar convertera-se em compulsão de jogar, uma mania, uma raiva frenética, que invadia não apenas as minhas horas de vigília, mas também lentamente o meu sono.”
(pp. 81-82)
Outras obras de Stefan Zweig
• Algumas edições em português
Vinte e Quatro Horas da Vida de Uma Mulher. Trad. Alice Ogando. Lisboa: Relógio d'Água, 2013.
Carta de uma Desconhecida. Trad. Alice Ogando. Lisboa: Relógio d'Água, 2013.
Maria Antonieta : [o Retrato de uma Mulher Comum]. Alice Ogando. Alfragide: Casa das Letras, 2013.
Brasil: País do Futuro. Trad. Odilon Gallotti. [s.l.]: Feitoria dos Livros (Colares: Colares Editora), 2014.
Segredo Ardente. Trad. Gilda Lopes Encarnação. Lisboa: Relógio d'Água, 2014
Maria Stuart. Lisboa: Alêtheia, 2015
Amok :[o Doido da Malásia]. Trad. Alice Ogando. [s.l.]: A Bela e o Monstro, 2016.
Mendel dos Livro. Trad. Álvaro Gonçalves. Porto: Assírio & Alvim, 2017.
Montaigne. Trad. Maria Elsa Neves, Maria José Diniz.
O Medo. Confusão de Sentimentos. Trad. Gabriela Fragoso. Lisboa: Relógio d'Água, 2018.
Momentos Estelares da Humanidade. Trad. Maria Elsa Neves, Maria José Diniz. Porto: Assírio & Alvim, 2019.
Triunfo e Tragédia de Erasmo de Roterdão. Trad. Maria Elsa Neves, Maria José Diniz. Porto : Assírio & Alvim, 2020
O Mundo de Ontem: Recordações de um Europeu. Trad. Gabriela Fragoso. Porto: Assírio & Alvim, 2020.
Encontros com Livros: Ensaios e Prefácios de 1902 a 1939. Trad. Rafael Gomes Filipe. Lisboa: Relógio d'Água Editores, 2021.
Viagens. Trad. Ana Falcão Bastos. Lisboa: Relógio d'Água Editores, 2021.
Magalhães: o Homem e o seu Feito. Trad. Gabriela Fragoso. Porto: Assírio & Alvim (2.ª ed.), 2022.
Nietzsche: o Combate com o Demónio. Trad. Maria José Diniz. Lisboa: Guerra e Paz Editores, 2022.
• Lista de obras em alemão
Silberne Saiten (1901, poesia)
Die Philosophie des Hippolyte Taine (1904, dissertação)
Die Liebe der Erika Ewald (1904, novela)
Die frühen Kränze (1906, poesia)
Tersites (1907, teatro: tragédia)
Emile Verhaeren (1910, memórias)
Brennendes Geheimnis (1911, novela)
Erstes Erlebnis (1911, inclui: Geschichte in der Dämmerung, Die Gouvernante, Brennendes Geheimnis, Sommernovellette)
Das Haus am Meer (1912, teatro)
Der verwandelte Komödiant (1913, teatro)
Jeremias (1917, teatro: drama)
Das Herz Europas: Ein Besuch im Genfer Roten Kreuz (1918)
Legende eines Lebens (1919, teatro)
Fahrten: Landschaften und Städte (1919)
Drei Meister: Balzac – Dickens – Dostojewski (1920)
Marceline Desbordes-Valmore: Das Lebensbild einer Dichterin (1920)
Der Zwang (1920, novela)
Romain Rolland (1921)
Brief einer Unbekannten (1922, novela epistolar)
Amok (1922, novela)
Die Augen des ewigen Bruders (1922, lenda)
Phantastische Nacht (1922, conto)
Frans Masereel (1923)
Die gesammelten Gedichte (1924)
Die Monotonisierung der Welt (1925, ensaio)
Angst (1925, novela)
Der Kampf mit dem Dämon: Hölderlin – Kleist – Nietzsche (1925)
Volpone de Ben Johson – adaptação de Stefan Zweig (1926, teatro: comédia)
Der Flüchtling: Episode vom Genfer See (1927)
Abschied von Rilke (1927, discurso)
Verwirrung der Gefühle (1927, novelas, inclui: Vierundzwanzig Stunden aus dem Leben einer Frau, Untergang eines Herzens, Verwirrung der Gefühle)
Sternstunden der Menschheit: Fünf historische Miniaturen (1927)
Drei Dichter ihres Lebens: Casanova – Stendhal – Tolstoi (1928)
Rahel rechtet mit Gott (1928)
Joseph Fouché (1929)
Das Lamm des Armen (1929, teatro: tragicomédia)
Vier Erzählungen (1929; Die unsichtbare Sammlung, Episode am Genfer See, Leporella, Buchmendel)
Die Heilung durch den Geist (1931)
Marie Antoinette (1932, biografia)
Triumph und Tragik des Erasmus von Rotterdam (1934)
Die schweigsame Frau (1935, ópera cómica)
Maria Stuart (1935, biografia)
Gesammelte Erzählungen (1936)
Castellio gegen Calvin oder Ein Gewissen gegen die Gewalt (1936, monografia histórica)
Der begrabene Leuchter (1937, novela)
Begegnungen mit Menschen (1937)
Magellan: Der Mann und seine Tat (1938)
Ungeduld des Herzens (1939, romance)
Brasilien (1941, diário de viagem)
Schachnovelle (1942, novela)
Die Welt von Gestern (1942, memórias)
• Publicações póstumas:
Zeit und Welt (1943, ensaio)
Amerigo (1944)
Legenden (1945)
Balzac (1946)
Fragment einer Novelle (1961)
Rausch der Verwandlung (1982, romance – do espólio)
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