O conceito de antissemitismo foi cunhado em 1879 no círculo do jornalista alemão Wilhelm Marr, que tinha adquirido notoriedade na Alemanha pós-unificação de 1871 com ferozes diatribes antijudaicas. Distinguindo-se do sentimento antijudaico de base religiosa endémico nas sociedades europeias ao longo dos séculos, tratava-se de fundar a rejeição do “judeu” em bases pseudocientíficas, inspiradas pelo biologismo racista prevalecente nas ciências oitocentistas. No final do século XVIII, as antropologia e etnologia alemãs nascentes criaram o conceito de “semitismo” para referir negativamente a identidade dos povos semitas, contraposta à dos povos indogermânicos ou “arianos”. Deste ponto de vista, o “judeu” já não se define em primeira linha pela prática da religião judaica, mas antes com base em conceitos como “povo”, “nação” ou “raça”. Nas últimas décadas do século XIX, o antissemitismo transformou-se num movimento político crescentemente ativo em diversos países europeus, dando corpo a um nacionalismo antidemocrático que tinha como programa a exclusão dos judeus, apresentados como culpados dos problemas e crises da sociedade moderna e, no plano político, como representantes do legado da Revolução Francesa e das ideias democráticas em geral, tidas como corruptoras do corpo saudável da “nação”. Sendo embora uma corrente minoritária, o antissemitismo político nutria-se fortemente de um consenso social alargado impregnado de imagens negativas do “judeu”, a quem, no espaço de língua alemã, só tardiamente haviam sido concedidos direitos políticos e só precariamente se “assimilara”. No início do século XX, em França, o processo Dreyfus – o capitão judeu falsamente acusado de vender segredos militares aos alemães – deu azo a um recrudescimento da agitação antissemita que alastrou a outros países, como a Alemanha e a Áustria. Esta vaga sustenta-se em mitos como os propagados pelo panfleto antissemita Protocolos dos Sábios de Sião, uma falsificação grosseira produzida na Rússia em 1903, que obteve larga repercussão na Europa e mesmo nos Estados Unidos, através de uma edição promovida por Henry Ford (viria a ser publicado em Portugal em 1923).
Na Alemanha, a revolta dos círculos nacionalistas perante a derrota militar na Primeira Guerra Mundial traduziu-se em mitos como o da “punhalada nas costas” (a Alemanha não teria sido vencida no campo militar, mas sim “apunhalada nas costas” por pacifistas judeus e pelos políticos responsáveis pela Revolução de Novembro, protagonistas de uma conspiração judaico-marxista). Em consequência, a recusa da república democrática de Weimar como “república judaica” tornou-se um eixo central dos movimentos nacionalistas. O programa de 1920 do NSDAP propugnava a retirada da cidadania alemã aos judeus, associados aos estereótipos do marxismo/bolchevismo, da maçonaria, do liberalismo ou do capitalismo, pretensamente responsáveis pela crise profunda que marcou a Alemanha do pós-guerra. Nos anos que passara na capital austríaca antes da guerra, Adolf Hitler contactara de perto com o ideário antissemita, representado pelo poderoso burgomestre de Viena, Karl Lueger. Cimentando rapidamente a sua influência no NSDAP, cuja presidência assumira em julho de 1921, Hitler radicaliza a dimensão antissemita presente desde o início no programa do partido: a “questão judaica” não apenas é radicalmente interpretada como uma questão racial, mas, com base numa visão social-darwinista da evolução da humanidade como “luta entre raças”, a “raça judaica”, a “tuberculose racial das nações”, é vista como essencialmente hostil à “ariana”, estando envolvida numa luta de vida e de morta com esta. Todos os problemas sociais e políticos da Alemanha estariam, assim, radicados numa conspiração do “judaísmo internacional”, apostado em dominar o mundo e que teria de ser contido pela força. É assim que o breviário político nacional-socialista materializado em A Minha Luta, de Hitler dá absoluta centralidade a um programa antissemita claramente exterminacionista que, após a conquista do poder, assumido como missão do Estado, irá ser realizado de modo progressivamente mais extremo, culminando no Holocausto.
Referências
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Wieviorka, Michel (2014), L’Antisémitisme expliqué aux jeunes. Paris: Seuil.