O significado histórico da palavra gueto enquanto bairro ou parte delimitada de uma povoação, por via de regra, de acesso controlado, destinada à segregação de minorias mantém-se relativamente aos guetos estabelecidos pelos nacional-socialistas na Europa de Leste, sobretudo na Polónia, mas também na Bielorrússia ou na Lituânia. No entanto, a palavra adquiriu novas conotações no contexto da dominação nacional-socialista. O estabelecimento de guetos, a partir de 1941, constituiu um elemento fundamental do processo de exclusão e extermínio nacional-socialista. Embora não fosse necessariamente esse o plano nazi original, os guetos viriam, com efeito, a funcionar como espaço transitório de concentração forçada dos judeus destinados à deportação para os campos de extermínio. Neste aspeto, existe uma rutura decisiva com o sentido histórico da designação, uma vez que ao processo de segregação está indissoluvelmente associado o projeto genocida.
A implantação da ditadura nacional-socialista acarretou uma dinâmica de exclusão e segregação progressivamente materializada num conjunto de medidas assentes num controlo e vigilância sistemáticos. Desde cedo, a ideia da segregação espacial está presente nos planos e projetos dos responsáveis. Nos finais dos anos 30 foram sendo criadas em diferentes cidadãs alemãs “casas para judeus”, destinadas a concentrar coercivamente a população judaica. Mas só a partir do início da guerra e da ocupação da Polónia se iniciou uma nova fase do processo com o estabelecimento de guetos, um processo prosseguido a partir do ataque à União Soviética paralelamente às ações de extermínio levadas a cabo pelo exército alemão em diferentes locais, paradigmaticamente exemplificadas pelo massacre de Babi Yar. A constituição dos guetos espelha em muitos aspetos as indefinições da política nazi relativamente à planificação do Holocausto. Em parte, os guetos, cuja administração estava a cargo dos conselhos judaicos, serviram como reservatório de mão de obra em regime de trabalho forçado, tendo muitos guetos sido progressivamente transformados em campos de concentração e de trabalho. Nalguns casos, como o do campo de Theresienstadt, a diferença entre gueto e campo de concentração era difusa; em casos excecionais (Amesterdão, Salónica, Budapeste) subsistiram por um não muito longo período de tempo guetos noutras áreas controladas pelos nazis. No outono de 1943, todos os guetos tinham sido destruídos, não sem que se verificassem ações de resistência, a mais proeminente dos quais foi a insurreição do gueto de Varsóvia, em janeiro de 1943, brutalmente liquidada por uma ação maciça das tropas alemãs, mas que conseguiu com sucesso assumir o controlo do gueto e travar as deportações durante quase três meses, até meados de abril.
Referências
Batalion, Judy (2021), As Resistentes: Mulheres Judias que Combateram nos Guetos de Hitler. Trad. Mário Dias Correia. Lisboa : Crítica, 2021 [1.ª ed. em inglês, 2020].
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Mikhman, Dan (2011), The Emergence of Jewish Ghettos during the Holocaust. Cambridge / New York: Cambridge University Press.