(em alemão, Konzentrationslager; abreviado como KL ou KZ)
O complexo sistema concentracionário nazi foi alvo de sucessivas transformações ao longo do Terceiro Reich, quer no plano organizacional, quer no modo de funcionamento. Quatro semanas após a subida de Adolf Hitler ao poder, o incêndio no Reichstag, a 27 de fevereiro de 1933, dá origem a um decreto que suspende as liberdades individuais e é pretexto para início de detenção de opositores políticos em grande escala. Entre 1933 e 1934, terão sido utilizados 80-100 locais para detenção – designada “prisão preventiva” (Schutzhaft) – de dezenas de milhares de pessoas. Estes primeiros campos (frühe Lager), pautados pela desorganização, heterogeneidade e tratamento díspar dos prisioneiros, foram quase todos extintos – uma das exceções foi Dachau, adotado como campo-modelo que os demais viriam a seguir. A partir de julho de 1934, a administração dos campos é unificada e passa a ser feita pela Inspektion der Konzentrationslager (IKL, “Inspeção dos Campos de Concentração”), sob alçada das SS (Schutzstaffel), lideradas por Heinrich Himmler.
Além dos opositores políticos, outros grupos de “indesejáveis” começaram, ainda em 1933, a ser detidos, tais como aqueles considerados criminosos, “preguiçosos” (Arbeitsscheue) ou “associais” (Asoziale) – entre estes, mendigos e pessoas sem-abrigo –, bem como homossexuais e prostitutas. A grande maioria dos prisioneiros desta primeira fase foi libertada: os cerca de 40 mil detidos nos primeiros meses contrastam com os cerca de 4 mil reclusos em meados de 1935. A partir de 1936, começa uma nova fase no sistema de campos, pautada por novas categorias de prisioneiros e renovados objetivos económicos. Passam a ser detidas também pessoas por motivos religiosos (como Testemunhas de Jeová e padres católicos) e por motivos étnicos/raciais (como judeus e sinti/roma). O envio de prisioneiros para trabalhos forçados começa a massificar-se, quer em empresas detidas pelas SS, quer em pedreiras e na construção de novos campos, espalhados pelo território do Reich: Sachsenhausen (1936), Buchenwald (1937), Flossenbürg, Mauthausen, Neuengamme (1938) e o campo de concentração para mulheres de Ravensbrück (1939).
Com a violência crescente (mortes e torturas são recorrentes) e as condições cada vez mais desumanas que os prisioneiros enfrentam, os campos alimentam um sentimento de terror que é bem conhecido no exterior e que serve também ao regime nazi como meio dissuasor de qualquer oposição. Os judeus, já perseguidos há anos e vítimas de leis cada vez mais restritivas, são pela primeira vez detidos em massa no outono de 1938, na sequência da “Noite de Cristal”, ainda que a maior parte seja libertada pouco depois e forçada à emigração. Em novembro de 1938, estima-se um total de cerca de 50 mil prisioneiros em campos, número que desce para os 21 mil no início da guerra, em 1939. Com a expansão do Reich e a ocupação de novos territórios, novos campos vão sendo abertos e expandidos, tais como os de Stutthof (1939), Auschwitz, Groß-Rosen (1940) e Majdanek (1941).
A partir de 1942, o sistema de campos adensa-se e o número de prisioneiros cresce exponencialmente. Além das empresas controladas pelo regime nazi (onde se inclui a atividade para o esforço de guerra, como fábricas de armamento, munições, etc.), também muitas empresas privadas passam a utilizar os prisioneiros como força laboral – os campos e subcampos são integrados na esfera económica e também há um aumento de trabalhadores qualificados escolhidos entre os prisioneiros. O IKL, que coordenava os campos, vem a ser incorporado no SS-Wirtschaftsverwaltungshauptamt (SS-WVHA, “Gabinete Económico e Administrativo Central das SS”), que promoveu uma exploração brutal dos reclusos. Este período coincide com a execução da Operação Reinhard, que visava eliminar os judeus do Governo Geral, na Polónia ocupada. Para este fim, haviam sido/estavam a ser criados campos de extermínio, espaços que funcionam à margem dos campos de concentração e têm como única finalidade a morte imediata e sistemática (principalmente) de judeus. Além de campos de concentração, Majdanek e sobretudo Auschwitz também são utilizados para fins de extermínio. No auge do sistema concentracionário, no inverno de 1944/45, são mais de 700 mil os prisioneiros em todos os campos.
Com os avanços dos Aliados a leste e a ocidente, o regime nazi priorizou a destruição de provas dos crimes cometidos, o desmantelamento de campos (ou parte deles, como as câmaras de gás) e a evacuação dos campos nas regiões ocupadas, o que levou à transferência de muitos milhares de prisioneiros, nas terríveis “Marchas da Morte”, para campos em zonas mais centrais do Reich – com dezenas de milhares a morrer nesse percurso e dezenas de milhares deixados para trás.
Durante o Terceiro Reich, estima-se que os nazis e os seus aliados terão utilizado mais de 44 mil locais para aprisionar opositores e/ou outras pessoas indesejadas, entre guetos, campos e outros locais de detenção. Subordinados aos cerca de 25 campos principais, estima-se que existiram cerca de 1200 campos-satélite. A expressão “campos de concentração” tem uma amplitude semântica bastante lata e engloba vários tipos de campos coordenados pelo IKL: campos de prisão preventiva (Schutzhaftlager), campos de trânsito (Durchgangslager), campos de trabalho (Arbeitslager), campos de trabalho para judeus (Judenarbeitslager), campos de trabalhos forçados (Zwangsarbeitslager), campos de educação pelo trabalho (Arbeitserziehungslager), campos para prisioneiros civis (Zivilgefangenenlager) e campos especiais (Sonderlager). Pela diferente administração e pela natureza radicalmente diferente, os campos de extermínio (ou centros de morte) não devem ser considerados campos de concentração. Pela sua especificidade, há outros campos difíceis de categorizar, como Theresienstadt, que foi simultaneamente gueto e campo utilizado para vários fins. Os períodos de atividade, dimensão e operações conduzidas nos campos foram muito variados – a regra geral foi a violência extrema, muitas vezes arbitrária, a brutalidade da exploração laboral, a extrema falta de alimentos e a ausência de condições sanitárias – enfim, o clima de terror e a desumanização de milhões de seres humanos.
Referências
Benz, Wolfgang; Distel, Barbara (orgs.) (2005-2009), Der Ort des Terrors. Geschichte der nationalsozialistischen Konzentrationslager. Volumes 1-9. München: C. H. Beck.
Caplan, Jane; Wachsmann, Nikolaus (orgs.) (2010), Concentration Camps in Nazi Germany: The New Histories. London; New York, NY: Routledge.
Megargee, Geoffrey P. (org.) (2009-2022), The United States Holocaust Memorial Museum Encyclopedia of Camps and Ghettos, 1933-1945. Volumes I-IV. Bloomington, IN: Indiana University Press [serão publicados mais três volumes].
Stone, Dan (2019), Concentration Camps: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press.
Wachsmann, Nikolaus (2015), KL: A História dos Campos de Concentração Nazis. Trad. Miguel Mata. Alfragide: Dom Quixote.