É um lugar-comum de muitas abordagens do Holocausto presumir a ausência de atos de resistência por parte das vítimas, que, de acordo com esta perspetiva, teriam demonstrado uma atitude de constante passividade. São compreensíveis as razões desta perspetiva: o poderio da máquina de extermínio nazi era esmagador e, entre outros fatores, a própria dificuldade em abarcar a tempo a lógica impiedosa da “Solução Final” e antever as suas consequências dificultava qualquer ato organizado de oposição. Não obstante, é hoje consensual que existiu e se exprimiu de múltiplas formas uma resistência assinalável que, impotente para travar o extermínio nazi, lhe ergueu obstáculos e, em muitos casos, mesmo que pontuais, terá permitido salvar vidas.
Podendo abranger, tendencialmente, a esfera micro da experiência quotidiana e, em última análise, referir-se à simples construção da possibilidade de sobrevivência por sujeitos individuais, o conceito de resistência poderá ter um sentido bastante difuso. Mas, mesmo limitando-nos a uma noção de resistência como um processo coletivamente organizado visando a confrontação com o aparelho repressivo nazi, é possível registar, na história do Holocausto, um sem-número de ações, de maior ou de menor escala. As condições para a resistência mais ou menos organizada eram muito diversas, dependendo estreitamente de condições locais, sendo um fator muito importante, não apenas o diferente peso do aparelho repressivo nazi, que, nas regiões do Leste, assumiu, desde o início, uma lógica muito mais abertamente exterminatória, mas também a possibilidade de contar com a solidariedade de setores da população não-judaica, também mais reduzida no Leste. Assim, na Dinamarca foi possível a organização de uma ação de salvamento em larga escala. Noutros países, como na França, na Bélgica ou nos Países Baixos, o salvamento organizado sobretudo de crianças e jovens, escondidos ou transportados para locais seguros, foi uma realidade. No Leste da Europa, em que as condições eram bastante mais difíceis, a organização coletiva da sobrevivência, assegurando condições mínimas de alimentação e assistência médica, promovendo atividades de ensino ou iniciativas culturais, constituiu uma forma conspirativa de resistência, que viria, sobretudo por ação de membros mais jovens das comunidades judaicas, a evoluir em muitos casos para atos de resistência armada.
O gesto de resistência mais emblemático é, seguramente, a insurreição do gueto de Varsóvia em janeiro de 1943, a qual, mesmo condenada ao insucesso, fez frente durante quase três meses ao exército nazi. Mas, embora em menos escala e com menos sucesso, registaram-se situações análogas em dezenas de outros guetos da Polónia, da Lituânia ou da Ucrânia. Calculam-se em cerca de 20 000 os membros de grupos armados de resistentes judaicos, ativos sobretudo nas florestas do Leste europeu, mormente da Bielorrússia e do Ocidente da Ucrânia.
Também nos campos de concentração e de extermínio, apesar das condições de repressão extremas, não deixou de existir resistência organizada, culminando, em Treblinka (agosto de 1943), Sobibor (outubro de 1943) e Auschwitz-Birkenau (outubro de 1943) em revoltas e tentativas de fuga que, apesar de fracassadas, se traduziram em confrontos armados que provocaram bastantes baixas entre os guardas SS.
Referências
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Batalion, Judy (2021), As Resistentes: Mulheres Judias que Combateram nos Guetos de Hitler. Trad. Mário Dias Correia. Lisboa : Crítica, 2021 [1.ª ed. em inglês, 2020].
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Henry, Patrick (org.) (2014), Jewish Resistance Against the Nazis. Washington: CUA Press.
Schoeps, Julius H. et al. (orgs.) (2016), Jüdischer Widerstand in Europa (1933-1945). Formen und Facetten. Berlin: de Gruyter.
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