Autora: R. M. Romero
Título: O Fabricante de Bonecas de Cracóvia
Local de publicação: Lisboa
Editora: Presença
Ano de publicação: 2017
Tradução: Fátima Andrade
Número de páginas: 287
Edilção original, em inglês: The Dollmaker of Kraków. New York: Delacorte Press, 2017.
Palavras-chave: Cracóvia, Polónia, gueto, judeus polacos, crianças no Holocausto, totalitarismo
Índice
Prólogo. A Costureira e o País das Bonecas
1. O Fabricante de Bonecas
2. Magia Escondida
3. A Triste História de Pierrot
4. A Cidade de Cracóvia
5. Ratazanas
6. A Loja Mágica
7. Os Trzmiel
8. Segredos Revelados
9. Pão de Gengibre e Espadas
10. Canções de Alegria
11. Os Bruxos
12. A Lakanica no Fim do Mundo
13. O Rei das Ratazanas
14. Roubo
15. O Homem em Forma de História
16. Os Bruxos e o Rato
17. Bailarinas e Muros
18. O Outro Mágico
19. A Floresta Sombria
20. O Violinista e a Borboleta
21. O Plano
22. O Soldado Prateado
23. Transformação
24. A Montanha de Vidro
25. A Casa do Bruxo
26. As Crianças na Igreja
27. O Homem sem Mãos
28. A Terra dos Vidoeiros
29. Lágrimas
30. O Bom Vento
31. A Última Jornada
Epílogo: A Costureira e o Soldado
Cronologia
Nota da Autora
Sinopse
Recomendado pelo PNL como literatura infantojuvenil, esta narrativa é um exemplo bem conseguido e honesto de articulação de um fantástico apelativo a crianças e jovens com uma história capaz de tratar com seriedade algumas questões importantes associadas ao Holocausto, como a criação do Estado totalitário, as formas de implantação do Estado nazi na Polónia, a perseguição dos judeus polacos, a criação de guetos, a ambiguidade do comportamento da população polaca entre o antissemitismo e a humanidade, incluindo de alguns membros da Igreja Católica, a deportação e Auschwitz. O livro trata com particular sensibilidade a questão das crianças e da forma como foram afetadas pela progressiva invasão e controlo nazi da Polónia (a ação desenrola-se em Cracóvia), pelas medidas segregacionistas, pela fome e abandono, bem como pela perseguição e deportação pelos campos. Todos estes aspetos, bem como o salvamento de algumas crianças, são apresentados de forma convincente e passível de discussão aprofundada com adultos, pais/mães e professores/as.
A narrativa desenrola-se, paralela e alternadamente, em dois planos espaciais e temporais, que se esclarecem um ao outro: por um lado, a história da boneca costureira Karolina num país das bonecas invadido, conquistado e arrasado por ratazanas violentas, que acaba por apresentar, de forma simples, a violência da ocupação, da perseguição e da destruição de um país por um inimigo estrangeiro; por outro lado, a história da boneca Karolina quando é transportada para o mundo “real” e fica a cargo de um fabricante de bonecas em Cracóvia, pouco antes da invasão e do domínio alemão. Neste plano narrativo, a magia surge como artifício próprio do fantástico da literatura juvenil, mas é usado de forma comedida e discreta, permitindo formular questões, inclusive de ordem moral. O fabricante de bonecas, protagonista da narrativa, é meio alemão e deficiente da Primeira Guerra Mundial, o que o faz abominar todas as guerras e formas de violência. Através dele, desaparece uma eventual diferença entre bons e maus, sendo possível entrever complexidades nas personagens, que permitem uma abordagem adequada do tema. Com a boneca mágica, Karolina, o protagonista, Cyryl Brzezick, trava amizade com uma família judaica – o pai Jozef e a filha Rena –, que decide ajudar à medida que se apertam as malhas da segregação e da perseguição nazi (a perda de trabalho, a perda da escola, a perda de habitação, de alimentos, as agressões públicas, a humilhação, o envio para o gueto e, finalmente, a deportação). O segundo plano da narrativa, que se desenrola no país das Bonecas e é assinalado graficamente por uma bordadura de página evocativa do artesanato polaco, vai comentando o evoluir da narrativa no plano “real” através de personagens semelhantes, nomeadamente aquelas que representam a violência e o mal, confrontadas com aquelas que nunca desistem da humanidade fundamental e praticam o bem, com riscos pessoais, como Cyryl. No final, a magia serve para o salvamento milagroso de um conjunto de crianças do gueto, incluindo Rena, as quais regressam no final da guerra para a reconstrução da devastada Cracóvia. Este final feliz, pertinente numa narrativa infantojuvenil, não apaga, porém, o retrato sustentado da violência extrema do Holocausto nas diferentes fases referidas – no caso específico, da Polónia. O livro apresenta-se, pois, como adequado e bem concebido para uma reflexão aprofundada com o público a que se destina.
Excerto
“Brandt e Cyryl, ao caminharem atrás de um guarda alemão, viram um grupo de homens e mulheres que assava alguns legumes já murchos numa pequena fogueira, escondendo o seu magro jantar à sua passagem. Karolina lembrava-se muitíssimo bem de como era recear que o pouco que possuía lhe fosse tirado. Ela vira muitas bonecas com a mesma expressão que ostentavam agora aqueles homens e mulheres, enquanto lutavam para sobreviver sob o punho de ferro das ratazanas.
Um cacho de crianças, tão magras que lembraram a Karolina as cordas dos violinos de Jozef, estava sentado no passeio, com o olhar vazio e desfocado. Só algumas delas calçavam sapatos; as restantes tinham atado trapos aos pés, para os protegerem das pedras ásperas da calçada. Quando teriam comido uma refeição quente pela última vez? Quando teria sido a última vez que tinham tido forças para rir ou brincar?
Karolina mimou um olá a uma rapariguinha um pouco mais velha do que Rena, na esperança de lhe arrancar um sorriso. Mas a rapariga não abafou um arquejo de surpresa nem a saudou; continuou simplesmente com os olhos fixos num qualquer ponto desconhecido ao longe, perdida nos seus pensamentos.
– As crianças têm um aspeto tão esfomeado – comentou a boneca. – Onde estão os pais delas?
– A maioria é órfã – respondeu Brandt descuidadamente, continuando a conduzir o Fabricante de Bonecas pelas ruas. – Vamos mandá-las embora em breve. São um empecilho. O conselho judeu passa a vida a queixar-se de que não há comida suficiente para elas. Mas estão sempre a queixar-se de qualquer coisa. Do frio, da água, da rede sanitária… Deviam dar-se por afortunados por os deixarmos ficar em Cracóvia de todo.
Cyryl Brzezick fez um esforço para não deixar transparecer a sua angústia perante o estado em que aquelas crianças se encontravam. Sabia a avidez com que Brandt o observava. Mas não conseguiu conter-se completamente.
– Não passam de crianças – comentou. – Que mal teria ajudá-las?
–Não serão crianças para sempre – replicou o oficial. – Um dia tornar-se-ão numa ameaça para a Alemanha, tal como os pais. Temos de tratar delas. O Führer tem um plano que resolverá o problema dos judeus. O gueto já está menos sobrelotado do que estava.”
(pp. 191-192)
Outras obras da autora
The Ghost of Rose Hill. Atlanta, Georgia: Peachtree Teen, 2022.
A Warning About Swans. Atlanta, Georgia: Peachtree Teen, 2023.
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